quinta-feira, novembro 23, 2006

Graciliano Ramos (aqui)


"....Certa vez minha mãe surrou-me com uma corda nodosa que me pintou as costas de manchas sangrentas. Moído, virando a cabeça com dificuldades, eu distinguia nas costelas grandes lanhos vermelhos. Deitaram-me, enrolaram-me em panos molhados com água e sal – e houve uma discussão na família. Minha avó, que nos visitava, condenou o procedimento da filha e esta afligiu-se. Irritada, ferira-me à toa, sem querer. Não guardei ódio a minha mãe: o culpado era o nó. Se não fosse ele, a flagelação me haveria causado menor estrago. E estaria esquecida. A história do cinturão, que veio pouco depois, avivou-a.
Meu pai dormia na rede armada na sala enorme. Tudo é nebuloso. Paredes extraordinariamente afastadas, rede infinita, os armadores longe, e meu pai acordando, levantando-se de mau humor, batendo com os chinelos no chão, e cara enferrujada. Naturalmente não me lembro da ferrugem, das rugas, da vós áspera, do tempo que ele consumiu rosnando, uma exigência. Sei que estava bastante zangado, e isso me trouxe a covardia habitual. Desejei vê-lo dirigir-se a minha mãe e a José Baía, pessoas grandes, que não levavam pancada. Tentei ansiosamente fixar-me nessa esperança frágil. A força de meu pai encontraria resistência e gastar-se-ia em palavras..."

(trecho de: Infância)

Graciliano Ramos - 1921-1964

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(Entre livros homenageia este mês o grande escritor nordestino, sua grande obra Vidas Secas, chega a centésima edição este ano)

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