quinta-feira, dezembro 07, 2006

Na cabeceira...

Mario Vargas Llosa
bom menino...e as:
Travessuras da Menina Má....



- Uma velha história – respondi. – Nunca a contei a ninguém, nunca. Mas, sabe, acho que sim, acho que vou contar a você, Elena. Para que se esqueça do que houve com Yilal.
- E contei. Do princípio ao fim, desde os já distantes dias da minha infância, quando a chegada de Lucy e Lily, as falsas chilenitas, alvoroçou as ruas tranqüilas de Miraflores, até aquela noite de amor apaixonado, em Tóquio – a mais bela noite de amor da minha vida -, que se cortou bruscamente do a visão do senhor Fukuda, nas sombras daquele quarto, observando-nos com seus óculos escuros e as mãos ocupadas na braguilha. Não sei por quanto tempo falei. Não sei em que momento as Simon apareceu, sentou-se ao lado de Elena e,silencioso e atento como ela, ficou me escutando. Não sei em que momento as lágrimas brotaram dos meus olhos e, envergonhado com essa efusão sentimental, fiz silêncio. Levei um bom tempo para me acalmar. Enquanto balbuciava umas desculpas, vi Simon levantar-se e voltar com taças e uma garrafa de vinho.
- É a única coisa que tenho, vinho, e ainda por cima um Beaujolais bem barato – desculpou-se, dando um tapinha no meu ombro. – Creio que casos como este merecem uma bebida mais nobre.
- Uísque, vodca, rum ou conhaque, é claro! – Disse Elena. – Essa casa é um desastre. Nunca temos o que deveríamos ter. Somos uns anfitriões lamentáveis Ricardo. Atrapalhei seu relatório de amanhã com minha catarse, Simon.
- Coisa bem mais interessante que o meu relatório – declarou. – Aliás, esse apelido que ela lhe deu cabe em você feito uma luva. Não no sentido pejorativo, mas no literal. Isso é o que você é, mon vieux, queira ou não queira: um bom menino.
Sabe que é uma história de amor maravilhosa? – Exclamou Elena, olhando-me com surpresa. – Por que é isso, no fundo. Uma maravilhosa história de amor. Este belga triste nunca me amou assim. Quem me dera, rapaz.
- Gostaria de conhecer essa Mata Hari – disse Simon.
- Vai ter que passar por cima do meu cadáver – ameaçou Elena, puxando-lhe a barba. – Você tem fotos dela? Posso ver?
- Nenhuma. Que eu me lembre jamais tiramos uma foto juntos.
Na próxima vez que ela telefonar, por favor, atenda – pediu Elena. – Essa história não pode terminar assim, com um telefone tocando e tocando, como no pior filme de Hitchcock.
- E, além disso – Simon baixou a voz – você tem que perguntar se Yilal falou mesmo com ela.
- Estou morto de vergonha por ter feito essa cena – pedi desculpas outra vez o choro e tudo isso, quero dizer.
- Você não percebeu. Mas Elena também derramou umas boas lágrimas – disse Simon. – Até eu mesmo teria entrado na dança, se não fosse belga. Minhas raízes judaicas me soltam o choro. Mas prevaleceu o valão. Um belga não cai nessas emotividades de sul-americanos tropicais.
- Pela menina má, por essa mulher fantástica! – Elena ergueu a taça. – Que vida tão monótona essa que eu tive, meu Deus.


p.168

James Kim

quarta-feira, dezembro 06, 2006

For Your Own Good









"Não te enganes, a vida vai tratar-te mal, portanto, se queres viver tua vida, vá e toma-a"






L.A.-Salomé

Darkness

terça-feira, dezembro 05, 2006

Da minha janela...

Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre homem
com um balde e,
em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas.
Avisto crinças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refelectidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega.
Às vezes um galo canta.
Às vezes umavião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me
sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles