terça-feira, agosto 07, 2007

A Sombra do Vento


“...Não obtive resposta. Pareceu-me escutar uma risada sufocada e fechei o livro de pedidos. Talvez um cliente tivesse ignorado o letreiro de FECHADO. Dispunha-me a atendê-lo quando escutei o som de vários livros caindo das estantes da loja. Engoli em seco. Agarrei uma faca de abrir cartas e me aproximei lentamente da porta do quarto dos fundos. Não me atrevi a chamar de novo. Logo depois escutei novamente os passos, afastando-se. A campainha da porta soou outra vez, e senti um sopro de ar da rua. Entrei depressa na loja. Não havia ninguém. Corri até a porta da rua e fechei com força. Respirei fundo, me sentindo ridículo e covarde. Estava voltando para o quarto dos quartos dos fundos quando vi um pedaço de papel em cima do balcão. Ao aproximar-me, comprovei que se tratava de uma fotografia, uma velha imagem de estúdio das que se costumava imprimir em uma lâmina de papelão grosso. AS bordas estavam queimadas e a imagem enegrecida, parecia riscada pelo rastro de dedos sujos de carvão. Examinei-a sob uma lâmpada. Na fotografia se podia ver um casal de jovens sorrindo para a câmera. Ele não parecia ter mais de 17 ou 18 anos, com cabelos claros e traços aristocráticos, frágeis. Ela parecia talvez um pouco mais nova do que ele, um ou dois anos no máximo. Tinha a tez pálida e um rosto cinzelado, rodeado por cabelos pretos, curtos, que acentuavam um olhar encantado, repleto de alegria. Ele a enlaçava pela cintura e ela parecia e ela parecia lhe sussurrar algo, num tom brincalhão. A imagem transmitia um ardor que me roubou um sorriso, como se eu tivesse reconhecido velhos amigos naqueles dois desconhecidos. Atrás deles se podia ver a vitrine de uma loja, repleta de chapéus fora de moda. Concentrei-me no casal. As roupas pareciam indicar que a imagem tinha pelo menos 25 ou 30 anos. Era uma imagem de luz e de esperança, prometendo coisas que só existem nos olhares dos jovens. As chamas haviam devorado quase todo o contorno da foto, mas ainda se podia adivinhar um rosto severo atrás do velho balcão, uma silhueta espectral insinuando-se por trás das letras gravadas na vidraça"
A Sombra do Vento - Carlos Ruiz Zafón
P.85
Peter Brüegel - "A Torre de Babel" de 1563
Kunsthistorisches Museum, Viena

Um comentário:

Anônimo disse...

Não me atrevo a nenhum comentário, deveria ler o livro, mas pelo trecho que lí, bem escrito, com detalhes, do jeito que gosto. Deve ser interessante.